“Faça o que eu digo, não o que eu faço”. Essa foi a frase que a senadora Tereza Cristina publicou, em suas mídias digitais, ao comentar o fato de a Comissão Europeia ter adiado a obrigação dos agricultores europeus manterem 4% das suas terras “não produtivas”, ou seja, preservadas ou em pousio, bem como flexibilizou e isentou seus agricultores de vários outros requisitos ambientais.

A Comissão Europeia adotou oficialmente o regulamento “Common Agricultural Policy Rules”, as Regras da Política Agrícola Comum, que concede tais isenções aos agricultores europeus da regra de condicionalidade sobre uso da terra. O regulamento, que entrou em vigor no dia 14 de fevereiro de 2024, é aplicável retroativamente a partir de 1º de janeiro durante um ano, ou seja, até 31 de dezembro de 2024.

A isenção parcial dá resposta a vários pedidos de maior flexibilidade, solicitados pelos Estados-Membros do bloco para melhor responder aos desafios e insatisfações dos próprios produtores rurais da UE.

O bloco, que está adiando a preservação ambiental local, é o mesmo que, em junho de 2023, aprovou o Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR, em inglês), exigindo avaliação e evidências de que diversos produtos agrícolas importados pela UE não estejam relacionados ao desmatamento.

Como resultado dessa regulamentação, o fluxo do comércio direcionado ao bloco europeu com carnes, cacau, café, madeira, borracha, couro, óleo de palma e soja têm de provar a sua origem, por meio do envio de dados geolocalizados de cada embarque e preenchimento prévio de uma devida diligência.

Nesse contexto, o Brasil, maior exportador líquido de alimentos do mundo, um país continental e diverso, com regiões em diferentes estágios de desenvolvimento, apresenta rígidas regras sob as quais os agricultores são obrigados a proteger 20% de suas propriedades rurais na Mata Atlântica, 35% no Cerrado e 80% na Amazônia.

Em verdade, esses percentuais são ainda maiores, uma vez que existem restrições à supressão legal da vegetação, devido à pressão internacional. Isso acontece mesmo que a supressão legal seja um direito constitucional de uso da terra e seja garantida pelo Código Florestal Brasileiro, uma das leis ambientais mais rígidas do mundo.

De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a área total dedicada à proteção da vegetação nativa no Brasil representa 564,24 milhões de hectares ou 66,3% do território nacional. Desse total, 33,2% estão preservados dentro das propriedades rurais! E mais: o conjunto de áreas dedicadas à vegetação nativa no Brasil equivale à superfície de 48 países e territórios da Europa!

Nesse sentido, a decisão do bloco europeu, maior grupo comercial da atualidade, é um mecanismo de protecionismo e de barreiras comerciais que não respeita a legislação de cada país e, por isso, merece ser fortemente questionado pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

Em tempos geopolíticos desafiantes, o multilateralismo e os acordos comerciais fortalecem o comércio global e ajudam a mitigar os efeitos das crises econômicas.

O fomento do multilateralismo promove um comércio internacional com inclusão social, respeitando investimentos, projetos e atividades concretas de sustentabilidade em curso no Brasil. Já o unilateralismo e a adoção de barreiras comerciais, como o EUDR da União Europeia, podem comprometer os avanços de décadas na inclusão social e na preservação ambiental.

Como exemplo, destaca-se a relevância social da cafeicultura brasileira. O Brasil possui legislação trabalhista exemplar, com foco em saúde e segurança do trabalhador.

Somado a isso, o café promove inclusão social, pois, onde a atividade está presente, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) – que mede renda, escolaridade e expectativa de vida – da região é mais elevado, além de os níveis de preservação ambiental estarem acima daqueles exigidos por lei (Código Florestal Brasileiro).

 

Em Minas Gerais e Espírito Santo, por exemplo, os dois principais Estados produtores de café, existe uma correlação muito positiva entre a área cultivada do produto e o IDH-M. Dessa forma, conclui-se que o amplo consumo dos cafés do Brasil no mundo é um indutor de progresso e desenvolvimento humano nas regiões produtoras do país.

O Cecafé tem calculado e publicado, regularmente e há quase duas décadas, o Índice de Participação na Exportação do Produtor (IPEP). O seu objetivo é estimar a representatividade do cafeicultor de Arábica e Robusta no valor exportado da mercadoria desembaraçada para exportação, o chamado valor Free on Board (FOB).

O IPEP tem estado próximo a 84,5% para o arábica e a 93,6% para o conilon, com variações raras no intervalo. Comparado com todos os outros países produtores de café, o Brasil é a nação em que a exportação de café transfere a maior parte do valor FOB para os preços internos recebidos pelo produtor.

 

Essa longa série de indicadores regulares do IPEP, a análise do IDH Municipal para as regiões produtoras, o balanço de carbono na atividade e os inúmeros projetos e programas em tempos de governança socioambiental (ESG) demonstram as contínuas eficiências e competitividade da cadeia, com relevante e proativa atuação dos exportadores de café brasileiros em prol da sustentabilidade de todo o setor.

 

Marcos Matos
Diretor Geral do CECAFÉ