Nos últimos anos, a cafeicultura mundial presenciou o impacto da elevação das temperaturas e dos padrões de chuva, que influenciaram no rendimento e na qualidade do café, assim como no aumento de pragas e doenças em diversos países produtores, principalmente nos da América Central.

Esse cenário ficou ainda mais sensível em 2015, quando registramos o ano mais quente da história do planeta desde que começaram os registros de temperatura no final do século 19. Só para ter uma ideia, no ano passado, a temperatura média da Terra e dos oceanos foi 0,90°C acima da média do século 20, a mais alta já registrada desde 1880, de acordo com a agência espacial Nasa e a Agência Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), dos Estados Unidos.

O notório aquecimento do planeta, bem como seus impactos, levou a cúpula do clima de Paris (COP 21), ocorrida em dezembro de 2015, a aprovar o primeiro acordo de extensão global para frear as emissões de gases do efeito estufa. Pelo termo, os  195 países signatários devem iniciar ações que  contenham a elevação da temperatura média do planeta, reduzindo-a para abaixo de 2°C.

A elevação das temperaturas causam severos problemas de estiagem, que afetam diretamente a qualidade, o preço e a produção de café no mundo, segundo relatório do The Climate Institute “A Brewing Storm: The climate change risks to coffee report”, encomendado pela Fairtrade Australia & New Zealand.

Segundo o mesmo estudo, hoje, cerca de 80% a 90% dos 25 milhões de cafeicultores mundiais são de pequeno porte e, estão mais expostos aos problemas causados pela mudança climática, uma vez que dispõem de menos capital para investir em tecnologias que lhes permitam manter a produtividade e competitividade diante desses desafios.

Para ter uma ideia de quão grave é o problema, se não for adotado um conjunto amplo de ações para reduzir a temperatura atual do planeta, estima-se a redução de até 50% nas áreas produtoras de café até 2050, segundo o mesmo estudo do The Climate Institute. Tal situação é muito alarmante, pois seria difícil atender uma demanda crescente de consumo de 2% ao ano (dados OIC últimos cinco anos) com a menor capacidade de produção.

O Brasil também sofre com essa situação. Em 2014, a forte seca e a alta temperatura no maior Estado produtor de café – Minas Gerais, com 50% da produção nacional – afetou o rendimento da cafeicultura local. Outro caso é o do Espírito Santo, segundo maior Estado produtor do país, que sofre, desde 2014, com a severa estiagem, além disso,  já é possível observar o impacto na produção.

Porém, a cafeicultura brasileira é uma das mais desenvolvidas tecnologicamente e do ponto de vista de sustentabilidade no mundo, o que faz com que o setor, no país, tenha ferramentas para superar esses inúmeros desafios.

Para isso, ao longo dos anos, o setor cafeeiro brasileiro investiu em pesquisa e desenvolvimento de novas técnicas e tecnologias produtivas, bem como na capacitação de produtores nas boas práticas agrícolas.

Um exemplo dessa evolução é que a produtividade de café no país é uma das que mais evoluiu no mundo. Em 1960, o Brasil possuía uma área 4,9 milhões de hectares e uma produtividade média de 6,08 sacas / ha, totalizando 29,8 milhões de sacas. Hoje, segundo dados da CONAB, o território nacional possui uma área de 2,2 milhões de hectares e uma produtividade média de 25,6 sacas / ha, indicando a redução de 55% em sua área cultivada, mas com o aumento em 4 vezes a sua produtividade, o que resultou no incremento de 66,4% da produção nacional de café, estimados pela CONAB em 49,7 milhões de sacas.

Além disso, a produção de café brasileira também contribui para o sequestro de carbono. Isso porque a sua árvore é considerada perene, com duração média entre 20 a 30 anos. Na comparação com o ano de 1960, o Brasil possuía 4,3 bilhões de covas. Hoje, são 6,7 bilhões.

Mais do que isso, o setor cafeeiro brasileiro não para nunca e está sempre atento para se adequar às melhores práticas de sustentabilidade em seus processos produtivos. Além da própria legislação nacional ser uma das mais exigentes do planeta, em março de 2015 foi lançado o Currículo de Sustentabilidade de Café, construído com base em diversos protocolos/plataformas de sustentabilidade cafeeira de distintas instituições e na Instrução Normativa 49/2013, do Ministério da Agricultura e Pecuária – MAPA, sobre boas práticas agrícolas e gestão da atividade cafeeira.

O Currículo de Sustentabilidade consiste em um conjunto de normas comuns para a produção de cafés sustentáveis e com qualidade no Brasil. Entre os principais temas contidos no Currículo, destacam-se a conservação da água na propriedade, gestão ambiental, gestão da propriedade, registro de informações e rastreabilidade, conservação do solo, destinação de resíduos e cuidados com a poluição e contaminação de água e solo, adequação à legislação trabalhista, com a garantia de segurança e saúde para o trabalhador, manejo agronômico produtivo e procedimentos corretos de colheita.

O Currículo de Sustentabilidade é adotado e difundido em todo o setor. Incluindo os pequenos e médios produtores, que conseguem ter acesso e incentivo para adotar as boas práticas agrícolas propostas por meio de programas especiais de capacitação.

Um exemplo é o programa Produtor Informado (PI), projeto de inclusão digital criado pelo comércio exportador de café em 2006, representado pelo Cecafé, que visa a capacitação de produtores em informática básica.

Em 2015, o programa foi reformulado e agora conta com a parceria da Plataforma Global do Café. No novo formato,  engloba também as boas práticas agrícolas, com a adoção de vários itens do Curriculum de Sustentabilidade, entre eles: manutenção do mato manejado nas entrelinhas da lavoura; preservação das áreas protegidas (APPs e Reserva Legal);  utilização de fontes alternativas de energia;  proteção integrada; e o preparo de café, predominantemente, de forma natural de secagem – usando a secagem ao sol, em terreiros, com pouco gasto de energia de fontes não renováveis.

Sem dúvida, todas essas ações realizadas em conjunto pelas iniciativas privada e pública colocam a cafeicultura brasileira como um exemplo a ser seguido no mundo todo no que diz respeito a processos produtivos cada vez mais qualificados, tecnológicos e sustentáveis, inclusive atuando ativamente na mitigação dos efeitos climáticos.

Porém, ainda há grandes desafios pela frente e, para continuar nesta vanguarda, será fundamental manter os investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento, bem como na ampliação de programas como o Produtor Informado, difundir cada vez mais as boas práticas para os produtores de todos os portes  e tornar a cadeia nacional cada vez mais forte e ambientalmente correta.

 

Marjorie Miranda – Coordenadora dos programas de Responsabilidade Social e Sustentabilidade do Cecafé