O Brasil detém 20% da biodiversidade do mundo, possui 66% de suas florestas protegidas e desenvolve uma cafeicultura que remove o carbono da atmosfera

Não é novidade que as mudanças climáticas são o maior desafio para a humanidade, ocupando posição de destaque nas agendas multilaterais e permeando compromissos públicos e privados visando limitar o aquecimento do planeta abaixo de 2°C até o final deste século.

A perda de biodiversidade está intrinsicamente ligada às mudanças climáticas, pois um desafio potencializa o outro. O aumento de temperatura e a ocorrência de eventos climáticos extremos impactam negativamente o funcionamento e a resiliência de ecossistemas com rica biodiversidade. Por sua vez, a destruição dos ecossistemas contribui para maiores emissões de gases de efeito estufa, impulsionando as mudanças climáticas.

A urgência da agenda de preservação da biodiversidade ganhou destaque em nível mundial com o “Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal”, aprovado na 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), realizada entre 7 e 19 de dezembro de 2022, no Canadá.

Mesmo que ainda cercado de incertezas quanto à implementação, o Acordo[1] histórico firmado por mais de 190 países é o novo marco estratégico da CDB, que orientará as ações de conservação da biodiversidade e serviços ecossistêmicos nas próximas três décadas. Ele contempla um conjunto de 23 metas a serem alcançados até 2030 e quatro objetivos de longo prazo para 2050, com foco na convivência harmônica entre a humanidade e a natureza.

As metas quantitativas preveem a preservação de 30% de áreas terrestres e 30% de regiões costeiras e marinhas até 2030, por isso ficaram conhecidas como metas 30×30, sendo uma referência numérica para o Marco Kunming-Montreal da mesma forma que o 1,5 grau Celsius é para o Acordo de Paris.

Em termos financeiros, a intenção do Acordo é que sejam viabilizados até US$ 200 bilhões ao ano para a proteção da biodiversidade, embora não esteja definido como esses recursos serão alavancados. Na meta 19, está previsto o compromisso dos países desenvolvidos disponibilizarem às nações em desenvolvimento US$ 20 bilhões anuais, a partir de 2025, valor que aumentará para US$ 30 bilhões ao ano, de 2030 em diante.

Em interface direta com os sistemas agroalimentares, onde se inclui o café, destacam-se as metas 7, 10 e 11. Em resumo, elas abordam o uso racional de fertilizantes e ciclagem de nutrientes para reduzir perdas desses elementos para o meio ambiente; a redução do risco geral de pesticidas e produtos químicos altamente perigosos em pelo menos metade, inclusive por meio do manejo integrado de pragas (MIP); o incentivo à intensificação sustentável e à agroecologia; a adoção de soluções baseadas na natureza para potencializar serviços ecossistêmicos como regulação do ar, água, clima, saúde do solo, polinização, redução do risco de doenças, bem como proteção contra riscos e desastres naturais.

A meta 15 também chama atenção por buscar estabelecer compromissos para o setor privado. Ela prevê que os países adotem medidas legais, administrativas ou políticas, para garantir que grandes empresas transnacionais e instituições financeiras estabeleçam devida diligência a respeito de seus impactos sobre a biodiversidade, promovam ações alinhadas a padrões sustentáveis de produção e forneçam informações para fomentar o consumo sustentável.

Conforme destacado pelo Agroicone[2], a Meta 15 poderá gerar uma imensa mudança na postura do setor privado diante da biodiversidade e um grande desafio será o desenvolvimento de enfoques e metodologias alinhados à heterogeneidade de impactos e dependências da biodiversade pelos diversos setores econômicos, o que deverá ser negociado ao longo dos próximos dois anos, no âmbito do Marco Global.

Nesse contexto, práticas produtivas alinhadas à conservação e ao uso sustentável da biodivervisidade devem ser valorizadas e fortalecidas, pois potencializam os serviços ambientais prestados pelo agro à sociedade, ao mesmo tempo em que preservam uma relação saudável com a natureza, da qual o setor é dependente para obter recursos genéticos fundamentais ao desenvolvimento de variedades resilientes a fatores bióticos e abióticos, serviços de polinização, agentes de controle biológico de pragas, organismos promotores da fertilidade do solo, entre outros.

A efetiva implantação do Código Florestal pelos entes federativos também é premente, visto seus avançados instrumentos, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), o Programa de Regularização Ambiental (PRA) e a Cota de Reserva Ambiental (CRA), que favorecem a conservação da vegetação nativa e sua restauração, quando necessária, em áreas privadas.

A partir da fotografia do uso e ocupação das terras gerada pelo CAR nos 10 anos de vigência do Código Florestal, é possível visualizar o alinhamento entre a preservação de vegetação nativa e a produção agrícola brasileira. De acordo com estudo realizado pela Embrapa Territorial[3], a partir dos dados do CAR, existem 43,9 milhões de hectares de vegetação nativa preservados dentro dos imóveis rurais dos principais Estados produtores de café do Brasil.

É válido lembrar que o Brasil, líder no fornecimento global de café, detém 20% da biodiversidade do mundo, possui 66% de suas florestas protegidas, além de uma cafeicultura sustentável, que remove gás carbônico da atmosfera. Conforme quantificado em estudo promovido pelo Cecafé, com condução científica do Prof. Carlos Cerri (Esalq/Usp) e do Imaflora, são 10,5 t CO2eq removidas anualmente da atmosfera para cada hectare de café cultivado com boas práticas agrícolas, que geram impactos positivos nas propriedades químicas, físicas e biológicas do solo, qualidade do ar, da água e promoção da biodiversidade.

A evolução com base na ciência é uma característica intrínseca da cafeicultura brasileira e o setor exportador, por meio de suas diversas ações de governança socioambiental, busca fortalecer as boas práticas ambientais, sociais e de governança ao longo da cadeia de fornecimento, em alinhamento com as tendências do comércio global do café.

É no contexto dessas discussões globais que o Cecafé realizará a nona edição do consagrado Coffee Dinner & Summit, nos dias 25 e 26 de maio de 2023, em São Paulo (SP). Com o tema “Crescimento da produção: seus desafios e oportunidades em tempos de ESG”, importantes especialistas e lideranças do agronegócio café nacional e internacional debaterão as tendências de mercado com respeito à sustentabilidade e aos critérios da governança socioambiental. O Cecafé, como representante dos exportadores dos cafés do Brasil, proporcionará debates e troca de experiências a respeito das principais temáticas. Saiba mais em https://coffeedinner.com.br/.

[1] https://www.cbd.int/article/cop15-final-text-kunming-montreal-gbf-221222

[2] https://www.agroicone.com.br/marco-global-inaugura-uma-nova-era-de-acoes-pela-biodiversidade/

[3] https://sites.google.com/view/websitecar2021/resultados

Marcos Matos
Diretor Geral do Cecafé

Silvia Pizzol
Gestora de RSS do Cecafé