Estudo do Cecafé demonstra que há oportunidades de geração de créditos de carbono pela cafeicultura, com a adoção de práticas conservacionistas.

Em maio, o Brasil deu um passo em direção ao desenvolvimento de um mercado nacional regulado de emissões, instrumento presente em 65 países e que, segundo o Safra Asset, negociou 700 bilhões de euros em créditos de carbono, em 2021. Considerando a elevada capacidade de remoção de carbono da atmosfera pela cafeicultura sustentável, o estabelecimento de uma governança para o funcionamento desse mercado no país pode se reverter em benefícios econômicos e geração de valor aos cafés do Brasil.

Em consonância com a Política Nacional sobre Mudança do Clima, que tem como um de seus objetivos o estímulo ao desenvolvimento do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões – MBRE, a decisão do Poder Executivo, publicada via Decreto, estabeleceu as diretrizes para a elaboração de Planos Setoriais com trajetórias de descarbonização e de um Sistema de Registro para conferir transparência e credibilidade aos futuros projetos e transações de carbono.

Os Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas são instrumentos para o cumprimento da meta climática do Brasil junto à Organização das Nações Unidas (ONU), isto é, reduzir 50% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) do País até 2030 e atingir a neutralidade de carbono até 2050.

Caberá ao Poder Executivo a aprovação dos Planos Setoriais, que serão aplicados, com tratamento diferenciado, a nove setores econômicos, os quais poderão apresentar suas trajetórias de descarbonização no prazo de um ano: energia elétrica, transporte, indústrias de transformação e de bens de consumo duráveis, indústrias químicas fina e de base, papel e celulose, mineração, construção civil, serviços de saúde e agropecuária.

O MBRE será o instrumento para a efetiva implantação dos Planos Setoriais, viabilizando o cumprimento dos compromissos de redução de emissões pelos setores econômicos mediante a utilização e transação de créditos de carbono. O impacto esperado é o aumento da demanda por esses ativos.

Para conferir transparência e credibilidade a esse processo, será estabelecido o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa – Sinare, que funcionará como uma central de registro das emissões, remoções, reduções e compensações de GEE, além dos atos relacionados à comercialização e aposentadoria dos créditos de carbono.

O Ministério do Meio Ambiente será o responsável pela gestão do Sinare, que também permitirá o registro de informações relevantes para o agronegócio brasileiro, como o carbono de vegetação nativa nas propriedades rurais e o carbono estocado no solo.

Dada a heterogeneidade e especificidades dos setores envolvidos, a previsão de tratamento diferenciado no estabelecimento dos planos setoriais é importante, principalmente quando se considera o setor agropecuário, com muitos produtores de pequeno porte e elevado potencial de geração de créditos de carbono.

Na cafeicultura, 72% dos estabelecimentos rurais possuem até 20 ha e 78% são da agricultura familiar. Um passo importante para se trabalhar a conexão desses produtores com o mercado de carbono é comprovar que a adoção de boas práticas agrícolas em fazendas de café gera adicionalidade na redução das emissões de GEE, em alinhamento com o Acordo de Paris. E isso foi realizado em recente estudo desenvolvido pelo Cecafé.

Com a pesquisa “Estimativa das Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa do Café Brasileiro[1]”, conduzida pela equipe de especialistas em clima e emissões do Imaflora, sob a liderança do Prof. Carlos Eduardo Cerri, da Esalq/USP, o Cecafé demonstra que a adoção de boas práticas na cafeicultura faz com que a atividade retenha ainda mais CO2eq no solo e na planta do que emita na atmosfera, em relação ao manejo tradicional, que já é ‘carbono negativo’ (-1,63 t CO2eq/ha/ano).

Na transição do manejo tradicional para o conservacionista, que inclui a aplicação de fertilizantes organominerais, composto orgânico e manutenção de uma cobertura de solo mais intensa, foi obtido um balanço negativo de carbono de 10,5 toneladas de CO2eq por hectare ao ano. Isso equivale a uma adicionalidade de carbono devido à adoção de boas práticas agrícolas de -3.79 toneladas de CO2eq por tonelada de café verde.

Como uma informação extra, não incluída no balanço de carbono, o estudo também avaliou o impacto da preservação de vegetação nativa dentro das fazendas na mitigação das mudanças climáticas. Os resultados evidenciam que, para cada hectare de café cultivado, há, em média, 50 toneladas de carbono estocados na forma de Reserva Legal (RL) e Áreas de Preservação Permanente (APP). Esses números reafirmam a importância de o Sinare permitir o registro do carbono de vegetação nativa presente nas propriedades rurais.

Os resultados do estudo do Cecafé mostram que as potencialidades existem e que esforços são necessários para o desenvolvimento de metodologias robustas e inclusivas, que facilitem os processos Monitoramento, Reporte e Verificação (MRV), permitindo conectar, de forma abrangente, o setor café à demanda por reduções certificadas de emissões de diferentes setores, seja via mercado regulado ou voluntário.

Quanto à implementação do mercado de carbono brasileiro, o Cecafé continuará participando dos debates setoriais, inclusive os relacionados à tramitação, aprimoramento e aprovação do PL 528/2021, fundamental para a existência de segurança jurídica no desenvolvimento de um mercado regulado. O amadurecimento das discussões entre os setores público e privado permitirá ao Brasil atingir sua meta climática e viabilizar a premiação de setores do agronegócio que estão alinhados aos critérios ESG, como a cadeia café.

 

 

[1] https://www.cecafe.com.br/site/wp-content/uploads/2022/05/cecafe_relatorio_imaflora_vf.pdf


Marcos Matos
Diretor Geral do Cecafé

Silvia Pizzol
Gestora de RSS do Cecafé