O ano de 2023 foi marcado por discussões e aprovações de regulações unilaterais, com impacto extraterritorial, em importantes mercados para o café brasileiro. As decisões colocam em evidência a importância de promovera transparência sobre o cumprimento dos critérios de governança socioambiental ao longo da cadeia de fornecimento dos cafés do Brasil.

Adaptando-se a esse cenário, o Cecafé, contando com os exportadores associados e parceiros estratégicos, avançou no desenvolvimento de projetos e iniciativas institucionais alinhados à temática ESG, bem como nas ações de promoção internacional da imagem do café brasileiro, com foco na sustentabilidade da cafeicultura nacional.

Durante todo o ano de 2023, o Cecafé esteve presente em diversos fóruns globais nos Estados Unidos, Suíça, Reino Unido, Alemanha, França, Espanha, Itália, República Tcheca, China, Bélgica, Chile e Colômbia, transmitindo a mensagem clara de que a cafeicultura brasileira está na vanguarda da sustentabilidade em tempos de ESG e que o setor cafeeiro é um vetor de desenvolvimento e de progresso humano e ambiental nas regiões produtoras do Brasil.

Ações Institucionais relacionados à EUDR e Iniciativas de promoção da imagem em 2023:

1- EUDR: Regulation for Deforestation-Free Products

Entre as decisões regulatórias de maior impacto ao comércio internacional do café, destacou-se a entrada em vigor, em 29 de junho de 2023, do Regulamento Europeu Anti-Desmatamento (EUDR, em inglês) que visa proibir a comercialização em território da UE, a partir de 30/12/2024, de uma lista de commodities (entre elas o café) que não cumpram com os três requisitos:(i) sejam livres de desmatamento a partir de 31/12/2020; (ii) tenham sido produzidos de acordo com a legislação pertinente do país de produção; e (iii) estejam cobertas por uma declaração de devida diligência.

Engajando-se diretamente nas discussões globais relacionadas a essa nova regra de comércio, o Cecafé tem atuado em parceria e contato permanente com diversas organizações visando transmitir a realidade da cafeicultura brasileira em relação à preservação ambiental, além de buscar maior esclarecimento sobre a aplicação do EUDR e mitigar impactos às exportações brasileiras de café.

Merece destaque o permanente diálogo com a European Coff ee Federation (ECF), Digital Integration of Agricultural Supply Chains Alliance (DIASCA), Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ), Initiative for Sustainable Agricultural Supply Chains (INA), National Coff ee Association (NCA), Joint Research Centre (JRC), Organização Internacional do Café (OIC), Al-Invest Verde Program; International Trade Center (ITC), Global Gateway, British Coff ee Association (BCA), Parlamento Europeu, Comissão e Delegações Europeias, European Union Agency for the Space Programme (EUSPA), Sustainable Pathways for EU-Brasil Ties e com importadores, setores culturais, mídias locais, entre outras, incluindo as Embaixadas e as Missões do Brasil em diversos países e blocos econômicos.

Com o objetivo de promover transparência e efi ciência no monitoramento do compliance socioambiental, em especial a avaliação de riscos de desmatamento ao longo da cadeia de fornecimento dos cafés nacionais demandada pelo EUDR, o Cecafé lançou a Plataforma de Rastreabilidade Cafés do Brasil, desenvolvida pela Serasa Experian e conduzida pelo Conselho, que já conta com mais de 40 associados, englobando empresas nacionais, globais e cooperativas, com representação majoritária das exportações do café brasileiro para a União Europeia.

A Plataforma disponibiliza informações atualizadas de centenas de bancos de dados públicos oficiais, que avaliam e monitoram questões socioambientais respaldadas pela legislação nacional. Um dos alicerces da ferramenta é o Cadastro Ambiental Rural (CAR), uma obrigação a todos os produtores rurais instituída pelo Código Florestal Brasileiro, e que resulta na obtenção dos polígonos e dados georreferenciados das áreas produtoras de café, conforme determina o EUDR.

A partir da geolocalização de todos os cafeicultores brasileiros, é possível a realização das etapas de devida diligência dispostas no EUDR, facilitadas pela tecnologia que gera atualizações em tempo real e alertas automatizados conforme alteração de status de cumprimento da legislação nacional e de mudanças no uso do solo em propriedades cafeeiras a partir de 31/12/2020. Para este último ponto, o “Prodes” e o “MapBiomas” são os principais sistemas de monitoramento e avaliação de riscos de desmatamento adotados na Plataforma.

EUSPA e os Projetos-Piloto

Com base em toda a estrutura legal brasileira e a Plataforma desenvolvida, o país foi indicado como Projeto-Piloto para a EUSPA, ECF e Comissão Europeia, sendo gerador de conhecimento, experiência e benchmarks a outras nações, auxiliando, de forma proativa e realista, ao demonstrar os pontos fortes do país, bem como a complexidade da cadeia produtiva, a elaboração dos guidelines para o café no processo de implementação do EUDR ao longo de 2024.

O projeto piloto tem como objetivo realizar exportações de café acompanhadas pela EUSPA e Comissão Europeia demonstrando a complexidade da cadeia produtiva, ao mesmo tempo em que ressalta a sustentabilidade e eficiência da cafeicultura brasileira, em especial do marco regulatório existente e do setor exportador que atua de forma eficiente e unida.

JRC e Mapeamento do Parque Cafeeiro

Outra relevante questão tem sido o diálogo estabelecido com o JRC. Em reuniões com o Cecafé, o Centro Conjunto de Pesquisas apresentou os principais componentes do recém-lançado Observatório da União Europeia sobre Desmatamento em Escala Mundial (Monitoramento das Florestas Globais; Produção e Comércio de Commodities; e Ferramentas para Monitoramento das Florestas Globais).

O Mapa Global de Cobertura Florestal é uma ferramenta disponibilizada a operadores e autoridades da UE como uma opção para avaliação do risco de desmatamento nas áreas produtoras no EUDR (para representar o estado da cobertura fl orestal em pé até 31/12/20) e não deve ser usado para fins de verificação do compliance das commodities listadas no EUDR para exportação à UE.

Destaca-se que o uso deste mapa deve ser para fi ns exclusivos de avaliação de risco e que, como qualquer mapa, a ferramenta tem limitações de acurácia. Diante disso, o JRC recomenda que, na existência de mapas e imagens locais das regiões produtoras, estes sejam utilizados para verificação do compliance ao EUDR, em detrimento do Mapa Global de Cobertura Florestal para o ano de 2020.

Comissão Europeia e JRC reforçaram que a decisão sobre a ferramenta a ser utilizada para avaliação de riscos de desmatamento para EUDR será exclusivamente do operador (importador), sujeito às penalidades da lei.

Diante da importância estratégica desta temática, o Cecafé e a Serasa Experian, com a participação dos membros exportadores e de profi ssionais especializados em estudos de sensoriamento remoto, realizarão um workshop, no próximo dia 22 de janeiro, em São Paulo (SP). O objetivo é analisar o mapeamento do parque cafeeiro existente no Brasil, bem como analisar a possibilidade do uso das tecnologias disponíveis de imagens de satélites para o aperfeiçoamento dos dados existentes no Brasil.

Diálogo Comissão Europeia e Parceiros Financiados pelo Bloco Econômico

O diálogo com a Comissão Europeia, suas agências e institutos diretamente financiados pelo Bloco Europeu foi permanente ao longo de 2023. Como exemplo, em dezembro passado, o Cecafé participou e palestrou no evento “Diálogo e intercâmbio de experiências sobre a sustentabilidade da cadeia de valor do café”, promovido pelo programa da União Europeia AL-INVEST Verde, em Pitalito, Huila, na Colômbia. O evento teve o objetivo de aprofundar o conhecimento do EUDR e alinhar as possíveis alternativas entre os
países produtores para cumprir esses requisitos no setor cafeeiro.

Como conclusão do evento, foram elencados os pontos fortes e fracos de cada país para atender ao EUDR. Entre os pontos fortes do Brasil, o CAR foi citado e reconhecido oficialmente como destaque para cumprir os critérios do regulamento.

A formalização ocorreu em uma apresentação final com logo, respaldo e conhecimento da UE. Esse reconhecimento do Código Florestal, da política pública brasileira, é um grande avanço e a indicação de que o Brasil é exemplo de sustentabilidade e caminha na direção correta ao encontro dos anseios europeus. O ganho de eficiência via aplicação de tecnologia para o monitoramento do compliance socioambiental das regiões produtoras de café é fundamental em tempos de multiplicação de regulações que obrigam a
realização de devida diligência ao longo das cadeias de fornecimento de commodities. Nesse sentido, o acordo provisório anunciado em 14/12/2023 entre o Conselho e o Parlamento Europeu sobre a diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade vem reforçar essa tendência.

Essa diretiva visa estimular a proteção do ambiente e dos direitos humanos na UE e em nível mundial, criando obrigações de devida diligência para as grandes empresas relativas aos efeitos negativos, potenciais ou reais, nos direitos humanos e no ambiente, no que diz respeito às suas próprias operações, às das suas filiais e às realizadas pelos seus parceiros empresariais.

Monitorar a evolução desse acordo provisório, bem como a internalização desse objetivo do bloco econômico pelos 27 Estados Membros estará entre as prioridades da agenda institucional do segmento exportador de café em 2024.

Em parceria estratégica com as organizações globais do café e a estrutura de representação dos interesses do Brasil no exterior, o Cecafé segue monitorando as demais regras que impactam o fluxo do comércio, como a Due Diligence de Responsabilidade Social Corporativa na Alemanha, novos aspectos do Green Deal no Bloco Europeu (Due Diligence social), bem como os atuais debates de novas Leis antidesmatamento na Suíça, Reino Unido e Estados Unidos.

2- DEBATES GLOBAIS SOBRE LMRs: Limites Máximo de Resíduos

Outros destaques de 2023 foram duas decisões importantes na União Europeia que mitigam riscos de acentuação da desarmonia entre os Limites Máximos de Resíduos (LMRs) vigentes no território europeu e no Brasil: (i) a publicação, em 28 de novembro, do Regulamento UE 2023/2660, que oficializa a renovação da autorização de uso do glifosato na União Europeia por um período de dez anos, até 15 de dezembro de 2033; e (ii) a derrubada, em 22 de novembro, pelo Parlamento Europeu, da proposta de regulamento sobre Uso Sustentável de Pesticidas (SUP, em inglês), que pretendia estabelecer metas vinculativas mandatórias para os países membros da União Europeia reduzirem em 50% o uso de pesticidas, até 2030.

Mesmo com as recentes decisões favoráveis, o segmento exportador continuará atento às políticas de LMRs nos países de destino, pois ainda existe grande desarmonia entre os padrões vigentes no Brasil e os estabelecidos pelos países importadores.

Para tanto, em 2024, continuarão sendo desenvolvidas as ações do Programa Café Seguro, estruturadas em quatro eixos: (i) engajamento das discussões regulatórias em parceria com importadores, governo brasileiro e indústria de proteção de plantas; (ii) monitoramento regulatório internacional em 15 mercados de interesse para o café brasileiro; (iii) Programa de Monitoramento de Resíduos, que afere o nível de conformidade dos cafés do Brasil colhidos a cada safra às diferentes políticas de LMRs dos principais
mercados de destino; e (iv) capacitações em boas práticas agrícolas, por meio da Plataforma EAD do programa Produtor Informado do Cecafé.

Como é de conhecimento, o Cecafé monitora diariamente e alerta o segmento exportador sobre as desarmonias existentes entre LMRs brasileiros e os estabelecidos em 15 mercados (FoodChain ID – União Europeia, Estados Unidos, China, CCG, Coreia, Indonésia, Japão, Grã-Bretanha, Brasil, África do Sul,  Argentina, Austrália, Chile, Malásia e Turquia), gerando alertas quando há alterações nos limites.

3- CONFERÊNCIA DAS PARTES (COP28) DA CONVENÇÃO-QUADRO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE A MUDANÇA DO CLIMA (UNFCCC)

Outro evento relevante na agenda internacional ESG de 2023 foi a 28ª sessão da Conferência das Partes (COP28) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), em Dubai, que se encerrou em 13 de dezembro. Apesar da falta de resultados concretos, entre eles a definição de cronogramas e caminhos para orientar os países a alcançarem as metas globais de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), a COP-28 manteve o tema das mudanças climáticas no centro da pauta global.

A COP-28 produziu uma declaração sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação Climática, que foi assinada por 133 países, incluindo o Brasil. O documento reconhece o profundo potencial da agricultura e dos sistemas alimentares para impulsionar respostas poderosas e inovadoras às alterações climáticas e expressa intenções de cooperação entre os governos signatários para maximizar essas potencialidades, garantindo segurança alimentar e prosperidade aos produtores de alimentos.

4- AGENDA DE CARBONO NA CAFEICULTURA

Em alinhamento a essa discussão global, o Cecafé avançou em sua agenda de carbono ao longo de 2023, realizando pesquisas em campo no Estado do Espírito Santo, conduzidas, cientificamente, pelo Imaflora e pelo professor Carlos Eduardo Cerri, da Esalq/USP, com o objetivo de mensurar o balanço de emissões de GEE na produção do café conilon capixaba. Os resultados desse projeto, que conta com o apoio de parceiros globais e stakeholders locais, serão obtidos no primeiro semestre de 2024 e apontarão o potencial de adicionalidade de carbono devido à adoção de boas práticas agrícolas em áreas de café conilon e o decorrente da mudança de uso do solo (transição de pastagem para cultivo do café conilon).

Em outro eixo de trabalho da Agenda Carbono, o Cecafé estabeleceu parceria com a StoneX para mensurar, em 2024, as oportunidades e desafios existentes nas dimensões técnica, jurídica e econômica para o desenvolvimento de um programa agrupado de créditos de carbono na cafeicultura brasileira.

Essa temática ganha cada vez mais relevância em função dos avanços legislativos ocorridos em 2023, com a aprovação, pela Câmara dos Deputados, em 21 de dezembro, do Projeto de Lei 2148/15, que objetiva criar o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), com tetos para essas emissões e um mercado de venda de títulos. A proposta será enviada para apreciação do Senado Federal em 2024.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Cecafé segue em sua missão de representar e defender os interesses do setor exportador de café do Brasil. Diante da agenda ESG, fortalecer a marca do país como um todo, atuar proativamente na promoção da imagem, demonstrar a realidade por meio da rastreabilidade dos cafés brasileiros são fundamentais para comprovar a sustentabilidade e o compromisso dos exportadores de café do Brasil, setor que continuará pautado na organização, união e eficiência ao longo de 2024.

Nesse sentido, em nome de seus associados, o time do Cecafé deseja um próspero e abençoado 2024 a todos, certos de que a colaboração conjunta resultará em benefícios a toda cadeia produtiva do agronegócio café brasileiro.

Marcos Matos

Diretor Geral do CECAFÉ

Silvia Pizzol

Gestora de Sustentabilidade do CECAFÉ