O Brasil, como país continental, vem sofrendo os impactos das anomalias climáticas. As lavouras cafeeiras também têm sido expostas a eventos extremos, com alcance e impactos diferenciados, a exemplo de estiagens prolongadas e elevadas temperaturas, bem como das recentes geadas.

Frente a esse cenário, a resiliência é construída por uma agenda ESG (governança socioambiental) de curto, médio e longo prazo voltada à mitigação dos efeitos negativos das mudanças climáticas e com ações alinhadas às políticas de comércio e clima que vêm se consolidando nos principais mercados consumidores do café brasileiro.

A existência de uma governança estruturada e fortalecida pelo amadurecimento da cadeia produtiva dos cafés do Brasil é um importante diferencial de sustentabilidade. Ela permite respostas tempestivas e desenhadas de forma colaborativa entre os setores público e privado a problemas inesperados, viabilizando o apoio emergencial aos cafeicultores que enfrentam perdas por intempéries e mitigando seus impactos sobre toda a cadeia produtiva.

O Conselho Deliberativo da Política do Café (CDPC), no qual o Cecafé é o legítimo representante do elo exportador, é responsável pela alocação dos R$ 6 bilhões do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé), que oferece diferentes linhas de financiamento para todos os segmentos da cadeia produtiva. Esses recursos apoiam a recuperação de cafezais danificados por eventos climáticos extremos e o ordenamento da oferta, importante estratégia frente à intensificação da volatilidade dos preços.

Uma boa governança setorial também está associada à existência de instrumentos de gerenciamento dos riscos da cadeia de abastecimento, a exemplo dos contratos de hedge e do seguro rural, instrumento fundamental para minimizar as perdas decorrentes dos extremos climáticos.

No Brasil, contratos futuros, a termo e de barter se popularizaram nos últimos anos, inclusive com a adesão de pequenos e médios cafeicultores, que passam a ter previsibilidade de receita, protegendo seus investimentos. O fortalecimento dessas ferramentas resulta em melhor aproveitamento das janelas mais favoráveis para a negociação do café no mercado, garantindo a renda futura.

No tocante ao seguro, o café está inserido no Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e, desde o ano passado, foi beneficiado com o aumento do percentual de subvenção ao prêmio, cujo limite mínimo passou de 20% para 40%.

Embora se note crescimento substancial das apólices subvencionadas para o café, que saltaram de 2.832 para 8.979 (+217%) entre 2019 e 2020, aprimoramentos ainda são necessários e estão sendo trabalhados pelo setor produtivo, em parceria com seguradoras e o governo. Em 2020, 170 mil hectares de café foram protegidos, com um capital total segurado de R$ 2,1 bilhões. Esse número representa menos de 10% da área cultivada com café no País e pode crescer com a oferta de produtos de seguro mais atrativos aos produtores.

O contínuo aprimoramento desses instrumentos de gestão de riscos, por meio da adoção de novas ferramentas tecnológicas e modelos mais adequados à realidade produtiva, é de suma importância para a garantia de liquidez, previsibilidade e transparência ao mercado, principalmente no atual cenário de incerteza climática.

Na dimensão ambiental, a adaptação da cadeia café do Brasil às mudanças climáticas também é foco da governança nacional estruturada no CDPC, que orienta a aplicação dos recursos discricionários do Funcafé em pesquisa.

A carteira do Consórcio Pesquisa Café, com 95 projetos em execução, conta com linhas específicas de pesquisa em serviços ambientais relacionados às mudanças climáticas, melhoramento genético focado em resistência a fatores bióticos e abióticos, adaptabilidade e estabilidade de cultivares em diferentes microrregiões produtoras, entre outras, cujos resultados fortalecerão a resiliência dos cafés do Brasil à instabilidade do clima.

A ciência e a pesquisa são os vetores da melhoria contínua da sustentabilidade da cafeicultura nacional e viabilizaram os saltos de produtividade que colocam os cafés do Brasil na vanguarda da competitividade mundial. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, investir no desenvolvimento de tecnologias que viabilizam uma produção sustentável de elevado rendimento será cada vez mais importante para a estabilidade do fluxo de comércio, diante do aumento da frequência e intensidade das intempéries.

Nesse sentido, a agenda do Consórcio Pesquisa Café é um exemplo para a iniciativa Agriculture Innovation Mission for Climate (AIM-C), proposta por Estados Unidos e Emirados Árabes Unidos, com apoio do Brasil, para fomentar a inovação, a pesquisa e o desenvolvimento na agricultura mundial. A iniciativa está em discussão no âmbito da Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU e seus resultados serão apresentados na 26ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP26), em novembro do corrente ano.

Em sinergia com as agendas doméstica e internacional, o Cecafé também está desenvolvendo um projeto de pesquisa para dar mais transparência à contribuição da cafeicultura brasileira para a economia de baixo carbono. Essa ação da agenda ESG do Cecafé visa alinhar o segmento exportador às tendências do comércio internacional, que estão se consolidando paulatinamente com os programas e políticas em discussão na União Europeia, Estados Unidos e China, com foco na redução nas emissões de gases de efeito estufa (GEE).

No mês de julho, houve importantes sinalizações em relação às políticas que conectam o comércio e o clima nessas três regiões de interesse para as exportações de café do Brasil. A União Europeia anunciou seus planos de implementação do Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM, em inglês), que, embora não abranja as exportações brasileiras de café, reforça a tendência de taxação dos produtos importados com emissão de carbono acima dos padrões europeus a partir de 2023. Na sequência, os democratas norte-americanos comunicaram um acordo para criação de um imposto sobre as importações de países que não se comprometeram com políticas de combate às mudanças climáticas. Os dois anúncios coincidiram com o início do funcionamento do mercado nacional de carbono chinês, ainda cercado de incertezas.

Como principal fornecedor de café do mundo, o Brasil precisa estar atento às tendências dos principais mercados consumidores e comunicar, permanentemente, os avanços alcançados em sustentabilidade e que promovem a resiliência nacional a eventos climáticos extremos.

Com sua agenda ESG voltada à neutralidade de carbono, responsabilidade social, eficiente gestão de riscos e segurança alimentar, o Cecafé executa sua missão de mostrar ao mundo que o Brasil é e continuará sendo uma fonte segura e confiável para o abastecimento global de cafés sustentáveis.

 

Marcos Matos
Diretor Geral do CECAFÉ

Silvia Pizzol
Gestora de Sustentabilidade do CECAFÉ