Projeto do Cecafé demonstra que cafezais sustentáveis sequestram mais carbono do que emitem gases de efeito estufa na atmosfera.

A governança socioambiental vem emergindo como critério direcionador dos fluxos de comércio, investimento e comportamento dos consumidores nos principais mercados de destino do café brasileiro. Essa tendência se traduz em cobranças por mais transparência quanto às pegadas de carbono dos produtos agropecuários transacionados internacionalmente e em oportunidades para acesso a financiamentos verdes, com taxas de juros diferenciadas, além de conexões com o mercado de carbono, que tem grande potencial desenvolvimento.

Para que a cafeicultura brasileira possa se beneficiar das oportunidades que derivam da economia global mais verde, é fundamental demonstrar, com base na ciência, que há adicionalidade gerada na adoção de tecnologias descarbonizantes nas fazendas.

Os resultados da COP-26, que pavimentaram a via para a regulamentação do mercado global de carbono, reforçam a importância do conceito da adicionalidade. Isto é, comprovar que as práticas e tecnologias adotadas pelos sistemas produtivos geram redução da emissão de gases de efeito estufa (GEE) além do que já ocorre sem a sua utilização.

Em sintonia com essas tendências mercadológicas e com o propósito de demonstrar ao mundo que, no Brasil, a produção de café está associada à conservação ambiental, o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) desenvolveu o projeto “Balanço de Carbono na Cafeicultura Mineira com Boas Práticas Agrícolas”.

Este estudo científico teve a participação direta dos exportadores associados ao Cecafé e foi conduzido pela equipe de especialistas em clima e emissões do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), sob a liderança do professor Carlos Eduardo Cerri, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), renomado pesquisador em ciência do solo e mudanças climáticas. A iniciativa também contou com parceiros globais – Fundação Lavazza e Starbucks – e apoio do Projeto Educampo, do Sebrae-MG, para implementação da fase de campo.

Com o objetivo de estimar o balanço de carbono da cafeicultura de Minas Gerais e a adicionalidade gerada pela adoção de práticas descarbonizantes, o projeto aferiu a liberação e o sequestro de GEE considerando as características intrínsecas das três principais regiões do maior Estado produtor de café no Brasil: Sul, Cerrado e Matas de Minas.

As emissões de gases de efeito estufa foram estimadas com base no * GHG Protocol, em 40 propriedades típicas da cafeicultura mineira, divididas em pares “tradicional” e “boas práticas”, isto é, práticas descarbonizantes, a exemplo da aplicação de fertilizantes organominerais, composto orgânico e/ou manutenção de uma cobertura do solo mais intensa.

Na etapa de campo, amostras de solo e cafeeiros foram extraídas de oito fazendas representativas das realidades produtivas regionais, visando quantificar as variações nos estoques de carbono do solo, em até um metro de profundidade, e da biomassa da planta devido à adoção das práticas supracitadas.

A conclusão dos estudos indica que a adoção de boas práticas na cafeicultura gera adicionalidade no sequestro de carbono, já que passa a reter ainda mais CO2eq no solo e na planta do que a emitir na atmosfera, em relação ao manejo tradicional, que já é ‘carbono negativo’.

Considerando a transição do manejo tradicional para o mais conservacionista, na média das propriedades avaliadas, constatou-se um balanço negativo de carbono de 10,5 toneladas de CO2eq por hectare ao ano, evidenciando que a cafeicultura brasileira é um importante ativo para a mitigação das mudanças climáticas.

Esse resultado leva em consideração o balanço entre as 12,25 tCO2eq/ha/ano retidas no solo e na biomassa das plantas subtraída a 1,74 t CO2eq/ha/ano emitida por meio da aplicação de fertilizantes e agroquímicos e do uso de combustíveis, eletricidade e calcário. O Gráfico 1 ilustra as principais fontes de emissões das fazendas avaliadas no projeto.

 

Gráfico 1: Composição das emissões de gases de efeito estufa nas 40 fazendas avaliadas no projeto do Cecafé
Fonte: Imaflora

 

Em termos dos grãos produzidos, os resultados do balanço demonstram que a adicionalidade de carbono devido à adoção de boas práticas agrícolas nas fazendas é de -3.79 toneladas de CO2eq por tonelada de café verde.

Mesmo nas propriedades onde o café é produzido de forma mais tradicional, uma avaliação com base em dados da literatura científica mostra que a atividade também sequestra mais CO2eq do que emite GEE, o que se explica pelo fato dessas práticas convencionais já serem mais avançadas em termos de sustentabilidade.

Nesse caso, o balanço negativo de carbono é de 1,63 t CO2eq/ha/ano, computando-se as 3,40 toneladas sequestradas na biomassa da planta¹, contra a 1,77 tonelada proveniente das emissões da produção no campo, implicando que a cafeicultura convencional também é “carbono negativo”.

Com uma informação extra, não incluída no balanço de carbono, o estudo também avaliou o impacto da preservação de vegetação nativa dentro das fazendas na mitigação das mudanças climáticas. Os resultados evidenciam que, para cada hectare de café cultivado, há, em média, 50 toneladas de carbono estocados na forma de Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente (APP), que são mantidas pelos cafeicultores.

Para ilustrar a magnitude da conservação da natureza nas regiões avaliadas no projeto, destaca-se que, nos territórios rurais das regiões Sul, Cerrado e das Matas de Minas – onde o café é uma das culturas plantadas –, há 51,1 mil km2 destinados à preservação da vegetação nativa dentro das fazendas, uma área equivalente a 1,25 vez o território da Suíça².

A conclusão das pesquisas do Projeto Carbono do Cecafé apresenta, cientificamente, que a cafeicultura brasileira é um ativo fundamental para contribuir com a redução das emissões de gases associados às mudanças climáticas, retendo mais do que liberando gás carbônico na atmosfera.

Os resultados vêm ao encontro da sinalização mais verde da economia mundial e poderão abrir portas ao Brasil para acessar os créditos voltados a atividades que respeitam critérios ESG. Além disso, atendem à crescente demanda de indústrias e consumidores por produtos sustentáveis e, por fim, mostram que a adoção das boas práticas se faz vital para atenuar os efeitos climáticos extremos, mitigando impactos econômicos na renda dos produtores.

 

¹Fonte: IMAFLORA adaptado de Souza (2019) e Souza et al. (2023 – in prep)

²Fonte: Cecafé, a partir de dados da Embrapa Territorial “Áreas dedicadas à preservação da vegetação nativa pelo mundo rural no Brasil, em 2021.”

 

Marcos Matos
Diretor Geral

Silvia Pizzol
Gestora de Sustentabilidade