Ampliação do escopo da LkSG e aprovação de novas regras de devida diligência na UE marcam o primeiro semestre de 2024
A nova realidade do comércio internacional está sendo moldada pelas regulações unilaterais que partem de alguns mercados, com impacto extraterritorial, demandando mais transparência quanto ao cumprimento dos critérios de governança socioambiental ao longo das cadeias de fornecimento, por meio da adoção obrigatória de procedimentos de devida diligência em relação aos riscos ambientais e sociais pelas empresas.
tre essas regulações, está em evidência o Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), que torna obrigatória a informação da geolocalização de onde se originou o café que será exportado à UE a partir de 30/12/2024, bem como a apresentação de evidências de que esses grãos não foram produzidos em área desmatada após 31/12/2020 e de que os processos produtivos atenderam à legislação nacional, incluindo direitos humanos e trabalhistas.
Porém, além do EUDR, outros movimentos regulatórios com foco em questões sociais vêm avançando, desde o início de 2024, em importantes regiões de destino do café brasileiro.
O primeiro caso é o da Lei Alemã de diligência em cadeias de fornecimento (LkSG). A lei passou a vigorar em 1º de janeiro de 2023, para empresas sediadas na Alemanha com pelo menos 3 mil funcionários. Desde 1º de janeiro de 2024, o escopo de aplicação da Lei foi ampliado para entidades empresariais (sociedades anônimas, sociedades por ações, parcerias, fundações e associações) com mais de 1.000 funcionários que tenham sede social, sede principal, sede administrativa ou local de negócios na Alemanha.
A LkSG impõe às empresas o dever de devida diligência em riscos sociais ao logo de suas cadeias de fornecimento, especificando as seguintes obrigações: (i) estabelecimento de um sistema de gestão de riscos; (ii) designação de pessoas responsáveis dentro da entidade; (iii) realização de análise de risco, com frequência mínima anual, e emissão de uma declaração de política de devida diligência; (iv) estabelecimento de medidas preventivas na área de negócio operacional da entidade; (v) adoção de medidas corretivas e de mecanismo de reclamação acessível ao público externo; (vi) documentar e relatar publicamente o cumprimento de suas obrigações de devida diligência no ano comercial anterior.
Os riscos aos direitos humanos que devem ser gerenciados pelas empresas ao longo de suas cadeias, incluindo fornecedores diretos e indiretos instalados nos países produtores das matérias-primas, são: trabalho infantil e suas piores formas; trabalho análogo ao de escravo; desconsideração das obrigações de saúde e segurança no trabalho; desrespeito à liberdade de associação dos trabalhadores; tratamento desigual no emprego; retenção de um salário justo (pelo menos o salário mínimo determinado pela lei aplicável); causar alterações prejudiciais ao solo, poluição da água, do ar, sonora ou consumo excessivo de água; despejo e tomada ilegais de terras, florestas e águas; práticas de torturas, lesões e violação à liberdade de organização por forças de segurança contratadas para proteção de projetos das empresas.
Entre os riscos ambientais, estão a fabricação de produtos mercurosos e uso do mercúrio e seus compostos; produção e uso de produtos químicos poluentes orgânicos persistentes (POPs) e exportação de resíduos perigosos.
As empresas estão sujeitas a sanções administrativas pelo não cumprimento da LkSG, como a exclusão da participação em licitações e contratos públicos por até três anos e multas que podem chegar a até 2% do faturamento anual mundial médio, no caso de grandes empresas com volume de negócios superior a 400 milhões de euros.
Também com foco na proteção aos direitos humanos e meio ambiente, a União Europeia aprovou a diretiva de devida diligência em sustentabilidade corporativa (CS3D), em abril. A nova regra determina que empresas estabelecidas na UE com mais de 1.000 funcionários e faturamento superior a 450 milhões de euros, bem como empresas de países terceiros com operações significativas no bloco, serão obrigadas a implementar políticas de devida diligência para identificar e endereçar os impactos adversos sobre os direitos humanos e ambientais que possam causar: (i) através das suas próprias operações; (ii) de suas controladas; ou (iii) por meio de relações comerciais em sua cadeia de atividades.
A CS3D também determina que as empresas implementem um plano de transição para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, contendo metas com prazos relacionados aos objetivos climáticos da empresa para 2030 e em etapas de cinco anos até 2050, com base em evidências científicas conclusivas e, quando apropriado, metas absolutas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) para o escopo 1, o escopo 2 e o escopo 3.
Ao contrário da LkSG, que estabelece apenas sanções administrativas às empresas que descumprirem suas obrigações de devida diligência, a CS3D prevê responsabilização civil. As empresas que, intencionalmente ou por negligência, não cumprirem sua obrigação de prevenir potenciais impactos adversos ou de pôr fim aos impactos adversos reais, podem ser responsabilizadas quando causarem danos a uma pessoa singular ou coletiva como resultado da violação. O prazo de prescrição para as vítimas apresentarem queixas é de pelo menos cinco anos.
Como a CS3D se trata de uma diretiva, haverá o prazo de dois anos para que os Estados Membros transponham suas disposições em leis nacionais. E isso implicará rediscussão da LkSG na Alemanha para incorporação dos novos elementos previstos na diretiva. A perspectiva é que as novas regras sejam implementadas a partir de 2027, de forma escalonada.
O fortalecimento das tendências de consolidação dos critérios ESG em leis e regulamentos com impacto no comércio exterior denotam a relevância dos projetos e ações desenvolvidas pelo segmento exportador de café brasileiro para comunicar, efetivamente, a sustentabilidade avançada da cafeicultura nacional ao mercado externo.
Destaca-se o compromisso do segmento exportador com a governança socioambiental, que se materializa no Código de Ética e Conduta do Cecafé. Por meio dele, os exportadores associados ampliam para sua cadeia de suprimentos os preceitos da ética e do compromisso com os dispositivos legais em vigor no Brasil, inclusive os relacionados a saúde e segurança do trabalho e ao respeito aos direitos humanos.
Atuando em prol da melhoria contínua da governança socioambiental da cadeia café, com rastreabilidade e transparência, o segmento exportador contribui para a consolidação da origem Brasil na liderança do fornecimento global de cafés sustentáveis.
Marcos Matos
Diretor Geral do CECAFÉ
Silvia Pizzol
Gestora de Sustentabilidade do CECAFÉ
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